segunda-feira, 28 de março de 2011

Um canto, um conto

Gente! Vou inaugurar uma nova seção aqui, chamada "Um canto, um conto". Não serão necessariamente só contos, mas também crônicas e esses tipos textuais mais "curtos" (o "curtos" está entre aspas porque esse meu texto não é exatamente curto, mas deixa quieto).
Esse primeiro texto é meu e se chama "No País das Maravilhas", foi feito para o 1° Concurso Cultural de Dragões de Éter.



    E o mundo girou.
    O mundo dela, pelo menos.
    Para tentar encontrar o chão, fechou os olhos e perdeu totalmente a noção de espaço. Abrio-os novamente e o mundo girava duas vezes mais rápido.
Mãos fortes pegaram-na nos braços antes que ela fosse ao chão. Ou antes que o chão fosse até ela. Ou seria o céu? Tanto faz, porque ele a segurou e o mundo girou ainda mais rápido quando ela sentiu o perfume do jovem a envolver.
    - Alice, você está me escutando? O que está acontecendo?
    A voz distante dele fez o mundo girar ainda mais depress. E nesse caso, não seria o mundo dela o único afetado.
    - De Marco, solte-me! - Ela debilmente tentou encontrar as mãos que a seguravam, desistindo logo em seguida - Apenas me ajude a sentar - disse rendida à contragosto.
    Juan levou-a para um banco próximo. A essa hora o Centro Comercial de Arzallum estava quase vazio, exerto por alguns poucos vendedores que terminavam de arrumar suas coisas para irem para casa.
    Durante a meia hora seguinte, a menina apenas fitou o horizonte crepuscular com a leve brisa noturna lhe acariciando o rosto. O rapaz fez o mesmo que ela, entretanto dava constantes olhadelas preocupadas para o lado.
    E finalmente o mundo pareceu voltar ao lugar.
    - Você parece melhor.. - ele disse e, mesmo tendo sussurrado, no silêncio sua voz pareceu repentinamente alta.
    É... o mundo apenas parecia ter voltado aos eixos.
    - Eu estou bem. - Calou. Olhou para cima e depois para baixo e depois para o outro lado  então finalmente olhou nos olhos dele. - Obrigada. - E se levantou. E saiu andando, com a cabeça erguida.
    "Maldita!" Ele pensou, e quem poderia culpar um homem tomado de sentimentos conflitantes?
    Juan De Marco era o solteiro mais cobiçado de Adreanne, talvez até de Arzallum. Posso garantir que ele vivia bem e era absolutamente feliz com sua condição até a chegada dela.
    A mulher parecia bailar ao invés de andar, sorria abertamente para os pombos sujos do porto, como se visse uma beleza oculta nas penas cinzentas. O cabelo longo e castanho era esvoaçado pelo vento e os olhos eram de um castanho tão claro que parecia cor de mel.
    O jovem, como todo rapaz nessa idade, encantado pela garota nova, foi apresentar-se galante para a dama. Era uma stallina que falava o altivo com um sotaque marcado e transbordava essa postura etérea de quem já conheceu outros mundos, de quem já viveu outras vidas e ainda sorri em um simples pôr-do-sol.
    Alice Haizea era o nome da moça e o pobre Don Juan não recebeu muita atenção dela. Na verdade, o tempo inteiro ela parecia se encantar mais com as pedras geladas que lhe tocava os pés do que pelo rapaz. Mas só parecia, no fundo as pernas da menina começaram a bambear a partir do primeiro "Olá" rouco proferido por ele.
    Na despedida ambos já sabiam que estavam perdidos. Ele por aquela voz cantada, que traduzia uma luz interna impossível de apagar e os olhos que clareavam e escureciam. Ela pela voz rouca, o olhar apaixonante e o jeito charmoso, dignos de um Don Juan.
    Um Don Juan que parecia ter se apaixonado por uma garotinha teimosa, que não era a mais bela, a mais inteligênte ou a mais desejada, mas ainda assim era a única que fazia seu coração acelerar daquela maneira.
    Deixando a nostalgia de lado, o rapaz levantou-se irritado e foi para casa com  os pés batendo fortes, levantando terra seca por onde passava.
    Passada uma semana num joguinho infantil de gato e rato, ele a encontrou sentada sozinha no porto. Será que essa garota não entendia que o porto era perigoso durante a noite? Pelo Criador, algum marinheiro bêbado poderia machucá-la e...
    Disse a si mesmo para ir embora, mas suas pernas o levaram a se sentar do lado daqueles olhos, hoje quase preto nanquim.
    - Tive um sonho estranho, De Marco.
    - Porque não me chama de Juan, Alice?
    Ela o ignorou.
    - Era um mundo diferente... Digo, era igual. Haviam pessoas e tudo mais, mas eles viviam uma vida diferente. Não diferente como as pessoas do Oriente, mas.. era diferente. - Olhou nos olhos do moreno. - Isso faz algum sentido para você?
    - Diferente como?
    - Diferente apenas. - Revirou os olhos e sorriu ao ver a expressão ainda interrogativa dele. - Quase não haviam Reis e Rainhas e os que existem quase não tem poder algum. As pessoas pareciam estar sempre apressadas e atrasadas, como o coelho branco de uma história que se conta por lá.
    "Não existiam fadas, bruxas, semideuses, elfos, gigantes. E os locais onde moravam pareciam colméias gigantescas, retas e cinzentas."
    - Eles não tinham um Criador?
    - Tinham sim. Mas.. sabe o que é mais estranho? Existiam várias religiões! - Don Juan arregalou os olhos assustado. - Exatamente! E cada uma acreditava em um Criador, que era o mesmo, mas recebia tantos nomes... E eles não conseguiam perceber que tudo que nos aproxima do Criador, independente do nome que se dê a ele, é a amor e que no amor não existem guerras.
    - Espere. Eles guerreavam por causa do Criador?
    - EXATO! Cada um queria provar que seu ponto de vista era o mais correto e forçar todos a segui-lo - Ela deu uma risada daquelas gostosas. - Não te parece absurdo?
    - Mais do que absurdo. Parece completamente impossível!
    - Impossível, Juan? - Ele sentiu a mudança do seu nome e gostou de como soava na voz dela - Porque você perde a fé tão rápido? Quem te deu garantias de que nosso mundo é o único? Existem coisas que são fantásticas demais para serem inventadas, elas simplesmente existem. - Alice abraçou os joelhos e fitou o ponto onde o céu e o mar se unem. - Eu acredito. Acredito que existem outros mundos e que nós estamos todos ligados pelo éter.
    - Ligados pelo éter? Eles não acreditam em magia, eles não tem magia! Como podem ser elevado a algo tão sublime feito éter?
    - Rapaz, quando disse a você que eles não acreditavam em magia? Ou que não tinham magia? - Olhou-o interrogativa e voltou a mirar o ponto a sua frente. - Eles contam estrelas e a lua é a madrinha dos enamorados - Desviou da lua cheia que brilhava no céu acima de suas cabeças. - O riso das crianças é mais sublime que o próprio éter. Os jovens, assim como nós, amadurecem através da vida, tem conflitos e medos, lágrimas de dores intensas que parecem fazer o mundo desabar e as palavras esquecerem como rimar e sorrisos tão sinceros como os de uma criança no auge da pureza e inocência.
    "Os adultos lutam para conquistar o que sonhavam na rebeldia e liberdade adolescente e para manter a pureza necessária para amar em unidade com a firmeza exigida a partir de certa idade. Os idosos lutam para provar que ainda estão ali e que ainda são merecedores de viver, apenas porque estão vivos."
    "Os corações  de lá também fazem os olhos brilharem de alegria para depois fazerem os mesmos brilhares de lágrimas. Eles amam e nada, nada é mais mágico que o amor sincero."
    "E o mais importante de tudo... Eles sonham e acreditam em nós e em magia. Não todos, mas eles passam adiante. Eles... vendem sonhos para quem não sabe mais como viver as vinte e quatro horas completas do dia. Criam histórias que mudam vidas e a partir da palavra, falada ou escrita, eles mudam o mundo. Eles acreditam que podem fazê-lo."
    "Isso não parece mágico para você?"
    Ele não conseguiu olhar para ela, por medo ou vergonha. E ela se levantou para ir embora, como sempre fazia quando ambos se viam.
    Só que dessa vez seria diferente.
    Alice já estava a mais de cinco metros do local aonde tinham conversado quando sentiu seu braço ser puxado e seu corpo ser levado pela força da gravidade de encontro a outro corpo. Um corpo maior, com músculos, braços fortes e aquele maldito cheiro que arrepiava a pele.
    - Me deixe ir, De Marco. - Ela falou baixo, havia hesitação e dúvida no seu tom. Talvez isso tenha dado a ele a força necessária para continuar.
    - Não. - Ela o olhou de baixo para cima - Não antes de ouvir o que eu tenho para lhe dizer.
    - Pare com isso! Me deixe ir. E se eu não tiver interesse nenhum em ouvir o que voc...
    - Pare você, Haizea! - Ele a interrompeu com um grito frustrado. Ela não conseguiu dizer nada, então deitou a cabeça no peito arfante dele, fechando os olhos. Encostou o ouvido no local exato em que ouvia o bater desritmado do coração dele.
    - Eu amo você. Desde a primeira vez que te vi. Quis evitar seus olhos e não pude reagir, quis ignorar seu sorriso e me peguei encantado. Você entrou na minha vida como uma ¹ventania e tirou tudo do lugar. Eu cheguei a desejar que passasse. - Sentiu que ela travou a respiração. - Mas eu me acostumei com isso, com a bagunça. Descobri que gosto disso. Gosto muito. - E ela voltou a respirar normalmente. - Logo eu, Don Juan De Marco, o infalível conquistador!
    Ele riu alto.
    - Eu amo você, Alice Haizea. Eu amo você e quero poder te dizer isso todos os dias. Quero viver com você uma vida de magia, uma vida de emoções mais fáceis de serem sentidas que faladas. Quero você em qualquer mundo de éter. Porque no fundo não importa, o que importa, é que agora estamos aqui, sendo abençoados por uma lua cheia e com estrelas românticas de testemunhas, com nossos corações descompassados batendo como um só. A única coisa que importa é que se o melhor da vida é o sonho, esse aqui é o melhor deles.
    Alice não precisava de mais nada. Ela poderia também fazer um discurso bonito, um daqueles que traria lágrimas aos olhos de quem o ouvisse, mas havia uma vida inteira para palavras bonitas, mesmo que sinceras.
    Naquele momento ela simplesmente o beijou.

¹A palavra "Haizea", o sobrenome da Alice, significa "vento" em Basco. Fonte: Behind The Name
Créditos de imagem

3 comentários:

  1. Pela Criadora!
    Que perfeito, incrível, maravilhoso! Só podia ser minha amiga mesmo ;)
    Parabéns, Nattie... AMEI!

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  2. Parabéns pelo conto... ficou otimo.
    Sua sutileza com as palavras me impressionou!!!

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  3. Você escreve bem. Mas deveria fazer poemas (também).

    Gosto das suas contradições, em como você consegue esbanjar introspecção sem desestabilizar a narrativa. Sigo acompanhando...

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